Desinteresse político: uma pandemia*

Desinteresse político: uma pandemia*

Como não querer saber sobre política se ela é uma realidade na vida de qualquer pessoa? O Jornalismo Político nada mais é do que a cobertura jornalística voltada, principalmente, às ações do poder público da sua cidade, estado e país. Isto é, tudo o que os candidatos eleitos fazem ou deixam de fazer, refletindo na sua vida profissional, pessoal, na sua cultura e até mesmo nos momentos de lazer. Na saúde, educação e na mobilidade urbana do município. Tem certeza que nada disso lhe interessa?

Uma pesquisa Ibope/Estado realizada em agosto desse ano entre 2.002 pessoas de 143 cidades do Brasil aponta que apenas 7% da população sabe do que se trata a reforma política. 34% das pessoas dizem ter pouco conhecimento sobre o assunto, enquanto 52% nada sabem e outros 7% admitem nem saber responder. Ou seja, dois a cada três brasileiros ouviram falar do assunto pela primeira vez diante do pesquisador.

A filósofa Marilena Chaui acredita que há uma presença muito forte da política no cotidiano brasileiro, “desde que você não identifique a política com o que se passa num aparelho de Estado. Se você toma o que se passa no cotidiano das cidades, o que aconteceu no posto de saúde, o que está acontecendo na escola, o que vai acontecer com o ônibus, isso tudo são questões políticas, ligadas ao modo como o espaço público se realiza e organiza. Então você tem uma população voltada para isso”, afirma.

Para a filha de professora e jornalista, o que não interessa muito – salvo épocas eleitorais ou de “convulsão”, por conta de um fato específico – é a dimensão técnico-profissional da política, isso porque, segundo Marilena, a população não acredita no Poder Legislativo (deputados e senadores, que representam os estados brasileiros):

Não só os jornalistas especializados em uma determinada editoria, mas todo repórter tem o dever fundamental de produzir conteúdos qualificados, com análises bem esclarecidas e que proporcionem reflexão, para oferecer ao cidadão a capacidade de que estes formem sua própria visão crítica, com base nas informações dos meios de comunicação. A sociedade só consegue desenvolver uma opinião firme por meio de coberturas exemplares. O jornalismo não pode fazer por menos.

O jornalista Luís Mauro Sá Martino, doutor em Ciências Sociais e professor de Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, indica que o próprio Jornalismo Político contribui para o desgaste da política e dos políticos frente à opinião pública quando deixa de lado regras básicas da profissão: “apurar, checar os fatos, conferir informações das fontes, procurar evidências etc. A busca pelo escândalo ou pela denúncia, sem apuração, é um problema do jornalismo em qualquer área, mas particularmente visível na política”, completa.

Para o jornalista e cronista Ricardo Chapola, de O Estado de S. Paulo, um dos papéis do jornalista é traduzir o mundo indecifrável para que todas as pessoas o entendam. No caso, decifrar o “politiquês”. E esse didatismo, segundo ele, está cada vez mais presente nas redações. “É verdade que o jornalismo, a parte de política, guarda esses jargões jurássicos. Mas é triste ver jornalista que não sabe ser didático”, reprova.

Como exemplo, Chapola lembra-se do termo “embargo infringente” – tipo de recurso, exclusivo da defesa, que questiona pontos de discordância e falta de unanimidade em um julgamento – bastante utilizado quando se fala do processo do mensalão, já que possibilita o réu solicitar a revisão da decisão tomada pela Corte. “O jornalista é obrigado, pelo menos no primeiro parágrafo, a explicar isso de forma descente para o leitor entender”, destaca o repórter.

E continua: “Ele pode colocar embargo infringente no título, na linha fina (subtítulo); mas no lead (primeiro parágrafo da matéria) explique o que é, se não, sem entender, quem vai ler?”, questiona. Além disso, o jornalista do Estadão também ressalta que a função social do comunicador é trazer para os “holofotes” assuntos que os políticos escondem, pois tudo o que é de interesse público, deve vir a público.

“O político tem que prestar contas para a sociedade, até porque foi ela quem os elegeu. Se isso não acontece é papel da imprensa mostrar o que os políticos estão fazendo e porque não estão prestando contas do dinheiro que você paga para eles, tanto no Executivo, quanto no Legislativo e no Judiciário. Isso é cidadania. É fazer valer o papel de cidadão da pessoa que não é jornalista”.

Em comparação, Martino adverte para o uso adequado das linguagens mais próximas ao cotidiano. Para o doutor em Ciências Sociais, sua utilização descuidada pode causar a perda de elementos essenciais, alterando o significado da mensagem. “Nesse sentido, especializações acadêmicas podem contribuir para a formação do jornalista dessa área, evitando erros na cobertura e auxiliando na prática”, recomenda.

Sobre os espaços destinados à política nos veículos de comunicação, Ricardo Chapola defende a importância, uma vez que essa editoria aborda o interesse de todos:

No entanto, segundo a jornalista Cynara Menezes, da revista Carta Capital, a cobertura política de Brasília, hoje, é o carro-chefe dos veículos, o que não é bom. Para ela, outras editorias também deveriam ser manchete nos jornais. “Por que não uma manchete de cultura, por exemplo? Por que as manchetes têm que ser sempre ‘sérias’ e, em geral, más notícias? Dizem que a má notícia vende, mas se os jornais não estão vendendo, talvez fosse a hora de rever estes conceitos”, observa.

A jornalista Cristiana Lôbo, da GloboNews, avalia a política como desinteressante para o grande público nos dias atuais. Mas, segundo a apresentadora do Fatos e Versões, “estamos vendo, a cada ano, a ampliação dos espaços para a cobertura política, não só nos jornais impressos, como também pelas emissoras de televisão, sobretudo na chamada TV fechada, e aos poucos o tema vai ganhando mais leitores e/ou telespectadores interessados”.

Contudo, Marilena Chaui sugere que o Jornalismo Político está fadado ao desinteresse da população. A filósofa adverte que para atrair mais pessoas “seria preciso que ele fosse jornalismo de verdade, e que o compromisso fosse com a sociedade, com os cidadãos e com os princípios da democracia”. De acordo com ela, “o jornalista está aprisionado porque é assalariado de uma empresa. Então, por mais que ele tenha compromisso democrático e procure exercê-lo, a ação dele tem limite, que é o que a empresa impõe a ele como assalariado”.

Luís Mauro Sá Martino, por sua vez, afirma que em vários outros países há uma crescente preocupação com o desinteresse da população por assuntos políticos – não só no Brasil – e assegura que o interesse é localizado, apenas, em alguns momentos, mas não inexistente. O professor menciona o melhor aproveitamento das plataformas midiáticas, especialmente a internet, como provável redução desse problema.

“Não existe fórmula para atrair o grande público, porém uma tendência apontada por pesquisadores como John Street, Thomas Meyer e Liesbet Van Zoonen sugere a intersecção entre a política e as linguagens da mídia, a fim de alcançar o espaço público”, conclui. Ou seja, a atratividade por meio de linguagens didáticas e novas formas de disponibilizar a informação em sites e blogs, com textos, fotos, vídeos e infográficos sobre um mesmo conteúdo pode ser a solução ou parte dela, atingindo, ao menos, uma parcela do público, aquele está habituado e/ou tem acesso à internet.

* Pandemia é quando uma doença infecciosa se espalha por uma região muito grande, como um planeta, por exemplo.

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