Jornalismo Político na rede: a variedade dos peixes

Jornalismo Político na rede: a variedade dos peixes

A internet se tornou comercial no Brasil em 1995. Antes disso, era utilizada apenas por universidades e demais instituições voltadas para pesquisa. Ou seja, são quase 20 anos de existência, em paralelo com a história do Jornalismo na Internet, pois no ano seguinte nasceria o Observatório da Imprensa, idealizado pelo jornalista Alberto Dines. Desde então, o Jornalismo na Internet vem se desenvolvendo e se aperfeiçoando, mas seu crescimento está mais rápido e em evidência de uns anos para cá, talvez por conta do aumento do número de pessoas com acesso à internet.

Dados de uma pesquisa realizada pelo Netview, do Ibope, no terceiro trimestre deste ano, apontam que o número de pessoas conectadas em casa, no país, é de 76,6 milhões, 4% a mais que o trimestre anterior. Segundo a pesquisa, nos últimos dois anos esse crescimento foi de 32%, quase 20 milhões de pessoas a mais, superando os demais países pesquisados – Alemanha (17%), Itália (7%), França (6%), Reino Unido (4%), Estados Unidos (1%), Japão (-3%) e Austrália (-6%).

Com mais pessoas capazes de se conectar sem sair de casa, aumenta-se também a quantidade de sites e blogs, assim como a oferta de informação – nem sempre de qualidade. Cada vez mais o internauta é tomado por uma overdose de notícias vindas de todos os lados na rede, não só pela imprensa tradicional, que pouco a pouco aprende a lidar com as novas tecnologias, mas principalmente com o surgimento de inúmeros blogs de gênero, os quais tratam de assuntos específicos, para um distinto público.

Esses blogs basicamente selecionam uma única editoria, inspirados nos jornais impressos, e se transformam em uma espécie de caderno, angariando mais visitas diárias em relação a outros tipos de endereços eletrônicos. Para o jornalista Ricardo Feltrin, apresentador do programa Ooops!, no portal UOL, toda essa situação é provavelmente a causa da queda recorde de Ibope de praticamente todos os telejornais da TV aberta, constatada por meio de uma comparação feita pelo colunista entre os meses de janeiro e agosto de 2012 e 2013.

Até 31 de agosto, por exemplo, o Jornal Nacional e o Jornal da Band perderam 12% de Ibope, enquanto o RedeTV! News teve perda de quase metade da audiência – 41%. Ao passar os olhos pelos comentários na publicação de Feltrin, a opinião da maioria é gritante. Para os leitores, o telejornalismo é manipulador, não proporciona reflexão e, por isso, perde credibilidade. Aí as pessoas partem para a web, onde as informações são dispostas a todo o momento e em ampla quantidade.

O redator-chefe do Observatório da Imprensa Luiz Egypto, no artigo O jornalismo na internet, fala que o Webjornalismo (ou Jornalismo Digital) precisa “transcender o noticiário puro e simples”, com repórteres auto exigentes e “do tipo que gasta sola de sapato, por mais sedutores que nos sejam os bancos de dados, os engenhos de busca, as redes sociais em geral”. Para isso, Egypto afirma que as novas redações carecem de profissionais “anfíbios”, ou seja, “capazes de conhecer a árvore, analisar a folha e ter segurança sobre os rumos de seus movimentos no interior da floresta”.

Porém, o jornalista Ricardo Noblat, autor do Blog do Noblat, no portal do jornal O Globo, acredita que a imprensa ainda faz mais jornalismo convencional na web do que Webjornalismo. “Nós usamos pouco os recursos que a internet nos oferece, porque escrevemos para web como se escrevêssemos para jornal ou revista”, comenta. Na mesma linha, a jornalista Marina Dias, da Folha de S. Paulo, acredita que na internet o jornalismo poderia ousar mais. “A internet tem espaço para você fazer qualquer coisa e em qualquer mídia. Você pode usar foto, vídeo, texto, podcast”, lembra.

Jornalismo Político, por Webjornalismo

Escrever sobre Jornalismo Político em sites ou blogs pode ser mais interessante considerando o fato de o jornalista ter mais espaço e liberdade para dizer o que pensa, sem ser tão pautado pelo editor – ou nem ter um, no caso de blogs pessoais – devido à necessidade de produzir conteúdo com agilidade. Para a historiadora Conceição Oliveira, autora do blog Maria Frô, a internet pode ser considerada um espaço democrático e que reúne profissionais sérios, que assumem um lado:

Noblat, de O Globo, defende que a web poderia ser utilizada para produzir Jornalismo Político com mais profundidade, o que a princípio é reservado aos jornais, mas segundo ele, nem os impressos o fazem. Além disso, a liberdade para escrever o que quiser depende do veículo ao qual o profissional é ligado. “Se ele estiver dentro de uma estrutura jornalística, na maioria das vezes tem que obedecer às orientações daquela organização”, explica. No entanto, o blogueiro afirma que a internet oferece, sim, a liberdade jornalística no sentido de que “sem dúvidas, qualquer um pode fazer seu blog ou seu site, escrever o que quiser e o que bem entender”.

O jornalista Luiz Carlos Azenha, autor do blog Viomundo, assegura que existem blogueiros ligados a grandes veículos e, portanto, respeitam a linha editorial dos mesmos. Todavia, para ele o Jornalismo Político na internet tem duas vantagens: “Por nem sempre ter objetivos comerciais, ou seja, visar lucro, oferece pontos de vista alijados do debate político (da extrema esquerda ao black blocs), onde só cabe o discurso tradicional dos partidos. E por não ter limitações de espaço pode publicar textos, relatórios, pesquisas e documentos aprofundados, que não cabem na mídia tradicional”, acrescenta.

“Quando falamos em internet, o jornalista é independente. O sujeito que é de uma empresa jornalística e trabalha na internet tem menos filtro, porque como é mais dinâmico, é mais difícil acompanhar o que ele está escrevendo. Então sai muita besteira, inclusive. Mas não tem liberdade nenhuma. A falta de liberdade é a mesma, no caso de grupos jornalísticos. A linha é única, independente de ser papel ou de ser internet”, expõe o jornalista Luis Nassif, apresentador do Brasilianas.org, na TV Brasil, e autor do blog Luis Nassif Online.

Mas então, como se faz Jornalismo Político para internet? É diferente comparado a outros meios de comunicação? Para Azenha, sim “já que aqui, pelo menos, não se pretende que exista a chamada ‘neutralidade’, em que o jornalista paira sobre os acontecimentos como se fosse um extraterrestre”. O blog dele, por exemplo, é de esquerda: “Vê o mundo com olhos de gente da esquerda”, destaca.

Para Marina Dias, da Folha, poderia ser diferente, pois tem todos os instrumentos para isso, mas não é. “Se investisse um pouco mais em todas as formas que a internet tem de dar a notícia, a imprensa faria um Jornalismo Político mais didático, completo e interativo. A internet é o futuro e com certeza o Jornalismo Político poderia ser feito de uma forma muito mais criativa, divertida, interativa e que despertasse o interesse do leitor”, cobra a jornalista.

Ela esclarece ainda que é repórter do impresso, porém, quando a notícia é urgente deve ser publicada no portal, também. “Quando a gente acha que não dá para esperar até o outro dia, eu publico no site. Eu vim a Porto Alegre para acompanhar o candidato Aécio Neves. Conforme ele ia fazendo as agendas eu escrevia pequenos textos e publicava no site. Aí, no dia seguinte eu fiz um ‘bem bolado’ de todos esses textos, para ir ao jornal e chegar às bancas mais completo e contextualizado”, exemplifica.

Segundo o jornalista Felipe Frazão, da revista Veja, a notícia política nem sempre é um fato concreto, mas articulação política, que se descobre por meio do bastidor, com fontes em off. E os blogs, para ele, são canais que possibilitam contar esse bastidor, “que às vezes não ganha tanto espaço num jornal ou apenas uma pequena coluna. É um bom espaço para trabalhar esse material, além de disputar os furos. Há uma rixa muito grande pelo blog que vai divulgar primeiro. Blogs eu digo no sentido daqueles hospedados em veículos de grande porte, como UOL, G1 e os da Veja.com, que têm um perfil mais voltado para a análise”, ressalta Frazão.

Contudo, o repórter admite que o jornalismo extremamente veloz da internet nem sempre é o melhor, porque não há tempo de transformar a informação em algo bastante compreensível ou com os mínimos detalhes, por mais que a apuração tenha sido feita com excelência. “Isso é só para o noticiário diário”. O jornalista e cronista Ricardo Chapola, de O Estado de S. Paulo, reforça que a ideia da web é que sejam explorados outros tipos de conteúdos, uma vez que nela existe a possibilidade de criar links, infográficos e vídeos ao longo das matérias.

“Você pode fazer um texto gigantesco, mas se você intercalar isso com outros tipos de conteúdos dá para fazer especiais legais. Eu já fiz especiais para o Estadão e dá, saem coisas ‘animais’. Só que infelizmente o pessoal ainda tem preconceito, mas isso vai mudar”, reforça Chapola, e comenta que poucas pessoas leem jornal nos dias de hoje. Para ele, pouco a pouco os leitores estão aprendendo a utilizar tablets, por exemplo, ou acessam as notícias por computadores e celulares. “Adaptar o conteúdo é um desafio do século 21”, frisa.

Em relação ao preconceito, o repórter explica:

As particularidades da rede

Seja a imprensa tradicional, seja o jornalismo independente, todos os repórteres, blogueiros, ou repórteres blogueiros enfrentam, cada qual, algumas dificuldades para atuar nesse meio tão influente que é a internet. Ricardo Noblat é autor do primeiro blog de Jornalismo Político da história do país. Segundo o colunista, a concorrência é sua maior dificuldade, visto que hoje existem milhares de blogs sobre o mesmo assunto. “Pra você dar um furo, dar uma notícia exclusiva, é muito difícil, porque tem muita gente atrás da mesma coisa. Então a concorrência é enorme”, alega.

Já Luiz Carlos Azenha enfrenta problemas relativos ao financiamento do Viomundo. Em março deste ano, o jornalista anunciou que fecharia o blog em razão de uma série de processos movidos contra ele, resultantes das críticas feitas à Rede Globo. Mas a situação foi revertida pelos próprios leitores, que financiam o jornalismo de Azenha desde então. “Decidi não aceitar patrocínio de governos, nem de empresas estatais ou públicas. Recorro aos leitores e aos anunciantes do Google, que são aleatórios e com os quais não mantenho nenhum vínculo direto – o Google escolhe para você”, conta.

Conceição Oliveira, do blog Maria Frô, relata que a judicialização* da blogosfera tem uma dimensão assustadora, como tentativa de impedir a liberdade de expressão e crítica. “Tem muita gente aí – políticos e jornalistas – processando blogueiros. O Ali Kamel (diretor de Jornalismo da Rede Globo), por exemplo, já processou, praticamente, a blogosfera progressista inteira: Marco Aurélio Mello, Rodrigo Vianna, Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha, Senhor Cloaca, Miguel Gomes e agora processou o Miguel do Rosário”.

A blogueira conta que tem inúmeros problemas, sobretudo porque ‘peita’ muito quando não concorda com alguma coisa. Mas ela afirma que, por mais que as dificuldades existam, é preciso fazer o máximo possível para exercer essa liberdade, porque “você gasta um tempo danado com o blog, tempo que você poderia estar fazendo outras coisas dedicadas ao ativismo, além de recurso. Então o mínimo que se pode ter é a liberdade de expressão garantida”, completa a ativista.

Thiago Dezan, integrante da organização Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação (Mídia Ninja), levanta mais uma dificuldade: o processo de criação de um portal sem ligação com a grande mídia. Ele chama a atenção para os obstáculos que se encontram entre “levantar do zero” um site ou um blog e fazer com que cada vez mais pessoas falem sobre o que é publicado ali:

Outra característica do Jornalismo Político na internet, e que se faz presente em todo tipo de jornalismo que é feito para web, se deve à facilidade de interação – imediata – com o público. Por meio de ideias, propondo novos temas, sugestões e até mesmo críticas ao que está sendo consumido, o leitor colabora direta ou indiretamente com a construção das pautas.

Para Azenha, os internautas fazem de tudo: “pautam, escrevem, comentam, divulgam, discordam, sugerem etc. O jornalista recolhe seu pretenso pedestal e fica num canto, observando e mediando”, valoriza. Do mesmo modo, a filósofa Marilena Chaui considera os blogs de notícia uma forte tentativa para quebrar o monopólio da informação pelas empresas dos meios de comunicação. Entretanto, não vê nenhuma esperança libertária nas redes sociais. “Elas são efêmeras, desligadas do espaço e do tempo e não trabalham com o tempo da reflexão e da mediação do desejo, nem com a argumentação e o pensamento. Elas trabalham com a explosão instantânea das individualidades. E eu não acho que isso seja libertário”, sobrepõe.

Em contraponto, Marina acredita que o Facebook, o Twitter e até o Instagram se tornaram ferramentas importantes para divulgação de informações. “Você coloca uma notícia popular no Facebook e o nível de compartilhamento e curtidas é enorme. Além disso, eu acho que essa interação que a internet permite entre repórter e leitor é essencial”, opina. Para Felipe Frazão, da Veja, a influência dos leitores ainda é pouco explorada pela grande imprensa:

Azenha também aproveita para destacar a viralidade na rede que, segundo ele, tem relação com o ineditismo, mas também com um olhar diferente sobre um determinado assunto, algo que contribui para abrir o leque tradicional de pauta e de formadores de opinião “que sempre nos foram impingidos de cima para baixo pela mídia corporativa. Nas redes, você pode ser anônimo, pobre, negro etc. Se tiver uma boa ideia, se fizer uma crítica certeira ou escrever um artigo bacana, você vale tanto quanto os irmãos Marinho. Comparação ruim, já que intelectualmente eles valem muito pouco”, sublinha o blogueiro.

Conceição, por sua vez, conta que produz conteúdo bastante colaborativo, pois recebe inúmeras denúncias. Para ela, quando o internauta encontra respeitabilidade e confiabilidade num blog, ele passa a auxiliar na construção das pautas. “Um dia desses deletei quase 20 mil mensagens, porque simplesmente cheguei num ponto de não ter mais condições de trabalhar com tantos e-mails na minha caixa de entrada. E até brinquei, falei ‘olha, se você me mandou e-mail urgente, manda de novo porque eu deletei’. A demanda é absurda”, revela.

A imprensa nova

As épocas de mudanças tecnológicas e de ruptura no Brasil são marcadas pela resistência, experiências diversas e caos. Foi assim com o surgimento do rádio, da televisão, do telégrafo, do cinema e por aí vai. Depois, quando a atividade passa a se concentrar em grupos de poder, tem-se a tentativa de “sufocar” os demais. Luis Nassif acredita que nesse momento a imprensa enfrenta algo como o “caos criativo”, isto é, uma influência maior da velha mídia, em confronto com o crescimento do Webjornalismo. De acordo com Nassif, a Mídia Ninja é um caso.

“Eu não posso mais ser o dono da informação. Agência Senado, Agência Justiça, Agência do Ministério Público, Agência Câmara; isso é um volume de informações que está vindo, porque a notícia deixou de ser exclusividade da imprensa. Então digamos que hoje você tem esse furor criativo, que ainda vai se consolidar em novos modelos. É irreversível”, enfatiza.

O jornalista Fernando Mitre, diretor nacional de Jornalismo da Rede Bandeirantes, diz que a Mídia Ninja não é jornalismo. “Eles filmam aquilo e põem aquilo. Assim você não precisa ser jornalista. Jornalismo significa um processo de produção da notícia, que é complicado, exige experiência, muito trabalho e muita investigação. Segundo Mitre, o fato não é a notícia, mas o núcleo dela. “A notícia é o fato narrado. Depois de ter o fato em condições de ser narrado, você precisa dimensionar esse fato”.

E continua: “Depois que você dimensiona esse fato, você pode explicá-lo e até mesmo chegar à análise. Tudo isso faz parte do trabalho jornalístico”, completa o comentarista, que vê o funcionamento eventual da falta de edição apenas como informação original, mas insiste que jornalismo é muito mais do que isso. Ricardo Chapola, de O Estado de S. Paulo, compartilha da opinião. Embora admita que a organização tenha realizado uma cobertura boa e inédita durante as manifestações de junho, o jornalista entende por ousadia o fato de a Mídia Ninja dizer que faz jornalismo. “Eles passam a realidade, mas não peneiram, não refinam o que eles tem”, indaga.

Por outro lado, Marina Dias salienta que os ninjas encontraram nas manifestações um nicho que a mídia tradicional não conseguia utilizar. Com transmissões ao vivo dos protestos, por meio de uma câmera de celular, ela garante que milhares de pessoas apenas queriam ver os acontecimentos daquele jeito. “Tinha gente que queria ver sem edição, sem pente fino de nenhuma editoria de nenhum veículo”, comenta. Segundo Marina, as mídias independentes são uma forma alternativa ao jornalismo tradicional, algo necessário para a renovação jornalística.

“Acho que a gente precisa dar mais tempo para a Mídia Ninja, para ver o que ela veio oferecer, se é apenas mais um instrumento de propaganda de partidos, ou de um partido, no singular, ou se ela veio para ser uma forma alternativa de fazer jornalismo dentro da web. É muito cedo para se dizer”, recomenda Ricardo Noblat.

Por sua vez, o integrante da Mídia Ninja Thiago Dezan, afirma que qualquer pessoa pode produzir conteúdo informativo e divulgar na rede, uma vez que “qualquer um pode buscar, se capacitar, pode ler sobre o tema e passar a entender mais sobre ele e, principalmente, se desenvolver como profissional”; E complementa dizendo que essa habilidade só depende da vontade de cada um. “Cada vez mais as pessoas estão percebendo que elas podem fazer o que elas gostam e isso faz com que elas se mexam”.

* Faz com que tudo seja tratado como questão de processo.

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Lealdade ao interesse público

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