Política, substantivo sujo

Política, substantivo sujo

Ilustração: Carla Nardi

O reflexo na fachada gigantesca do prédio na avenida Faria Lima, importante via de escritórios e corporações de São Paulo, me arrepiou. Era 18 de junho. Neste dia, milhões de pessoas saíram às ruas no Brasil, essencialmente contra o aumento das passagens de transporte público: os benditos vinte centavos os quais até hoje ainda tiram o sono de alguns.

Aquele dia, único do qual participei ainda um pouco ressabiado devido à pancadaria da polícia contra manifestantes na semana anterior, foi um marco não só para o país, mas para as redações de grandes veículos de comunicação que cobrem política.

No painel deve ter acendido a luz amarela e no começo ninguém entendeu nada. O fim da letargia de uma parte da sociedade brasileira, que desconhecia o sabor do gás de pimenta e o estrago que balas de borracha podem fazer na pele – e principalmente nos olhos – pegou a todos de surpresa. De imediato, as ações foram classificadas de vandalismo e baderna.

Até então, a fórmula era fácil: não importa o que aconteça, a culpa será sempre dos políticos – todos ladrões, bandidos e corruptos – e se sindicatos, movimentos feministas, de trabalhadores rurais sem terra ou gente sem teto saíam às ruas para exigir respostas políticas a seus problemas, os mesmos jornalistas, que culpabilizavam a classe política por todos os problemas do Brasil, faziam-se de surdos; a pauta simplesmente inexistia. Ou pior: tudo era sintetizado como problemas de trânsito causados por baderneiros. As generalizações eram a bússola.

Após o período de encantamento com os novos movimentos, voltamos à normalidade. As ações e excessos da polícia e de manifestantes viraram um combate entre as forças do bem e do mal, numa arena em que o Estado deve garantir a ordem e os “abusos” policiais se justificam ou serão apurados em um amanhã que nunca chega.

Por outro lado, a culpabilização dos políticos continua firme e forte nas páginas diárias, semanais e nas telinhas da tevê. Não que os escândalos não devam ser mostrados. Longe disso. Mas por que pensar que as únicas notícias de interesse público são as más notícias? (Acha que estou exagerando? Tente lembrar uma notícia boa trazida por um projeto de lei, por exemplo. Lembrou? Não? Agora puxe pela memória o último escândalo. Fácil, né?)

Talvez não sintamos falta das coisas boas porque nos parece que a política é um pântano escuro e traiçoeiro, em que só os iniciados, munidos de mapa, lanterna e um dicionário de termos técnicos, podem explorar, conhecer e entender.

Atrelada a isso, a superficialidade dos temas. Muitas vezes as notícias políticas são empanadas e servidas nos balcões da notícia à moda Nelson Rubens, sabe? Aquele do programa de fofocas. “Ok, ok! B-O-M-B-A! Eduardo Campos trai Dilma e é flagrado na casa com Marina.” E é nessa toada que entra o desafio que Ricardo Boechat, âncora do Jornal da Band fez, mais de uma vez, a Fernando Mitre, diretor nacional de Jornalismo da emissora e, portanto, seu chefe.

Boechat propõe que Mitre faça um exercício. Pede que ele recolha todos os comentários que fez sobre assuntos políticos (leia-se: movimentações partidárias, crises institucionais, um ou outro bastidor) e veja o que sobrou deles hoje; qual a validade que os assuntos têm, hoje, à luz dos novos acontecimentos.

O interesse do povo é proporcional ao grau de utilidade que ele pode dar para aquilo que está vendo. Se é útil e próximo a mim, eu presto atenção; se não, não faz sentido. O desafio é aproximar Brasília e seus atores de leitores e telespectadores de maneira envolvente, útil e cidadã. Só assim as pessoas passarão a se enxergar no reflexo dos prédios públicos como povo. O resto são apenas secos e molhados.

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Diego Moura é estudante de Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo (SP).

Blog: Blog do Disimo – Textos para pensar
Twitter: @disimoura

1 Comentário para “Política, substantivo sujo”

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